Como é ser negro no Japão, país onde 98% da população é nativa

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Quando o nigeriano Samuel Lawrance chegou ao Japão, aos 17 anos de idade, a vida na terra do sol nascente era mais difícil e os desafios do idioma e da cultura, assustadores. Hoje com 34 anos, Samuel é um engenheiro bem-sucedido que vive em Tóquio e carrega uma história de quem enfrentou a escola japonesa, a universidade e o preconceito para conquistar um espaço.

“Quando era adolescente, passava por situações bem complicadas, como estar sentado no autocarro e ter um espaço livre ao meu lado, mas ninguém querer sentar comigo. As pessoas preferiam ficar de pé, inclusive idosos. Sentia-me tão mal que queria levantar para que as pessoas pudessem se sentar”, conta ele à BBC News Brasil.

Samuel diz achar que o Japão melhorou e hoje é um país mais aberto, embora situações como essa do autocarro ainda ocorram eventualmente.

“Acho que o Japão foi uma sociedade muito fechada por um longo período e de repente passou a aceitar muitos estrangeiros. Eles estão a  tentar se acostumar a ter pessoas naturais de outros países ao redor. O Japão hoje é muito melhor do que era quando cheguei aqui,” explicou.

A discriminação racial é uma questão pouco debatida no Japão, mas que esteve no centro de discussões desencadeadas por eventos específicos nos últimos anos.

Não há estimativas sobre a quantidade de negros no Japão, uma vez que o órgão de estatísticas do país só colhe dados por nacionalidade. Os estrangeiros respondem por apenas 1,7% da população japonesa.

Samuel Lawrance
“A sensação é de que não importa o quão bom eu seja no que eu faço, não posso crescer por ser estrangeiro ou por ser negro”, diz nigeriano Samuel Lawrance

 

Alguns veículos japoneses aproveitaram a oportunidade para levantar uma importante questão: será que o Japão não tem nada a ver com a luta contra o racismo?

Para Yasuko Takezawa, professora do Instituto de Pesquisa em Ciências Humanas da Universidade de Quioto, a questão racial também é um problema na sociedade japonesa.

“A maioria dos japoneses não tem uma experiência directa com pessoas negras. A imagem no país é proveniente da mídia, novelas, filmes, famosos com descendência africana ou comediantes que fazem imitações estereotipadas. É uma imagem que não é corrigida e acaba influenciando a sociedade”, explicou o jovem.

Engenheiro mecânico Stephen Estelle, de 25 anos, veio dos Estados Unidos para tentar a vida no Japão

Curiosidade além dos limites

Em janeiro de 2019, o engenheiro mecânico Stephen Estelle, de 25 anos, saiu dos Estados Unidos para tentar a vida no Japão. Sem falar o idioma, Stephen passou um ano em Tóquio, onde adquiriu experiência com os japoneses e depois se mudou para o extremo sul do país, para trabalhar no Instituto de Ciências e Tecnologia de Okinawa.

Stephen conta que teve mais experiências positivas do que negativas e que a interacção com os japoneses geralmente ocorre através da curiosidade.

“Sinto que as pessoas ficam mais interessadas em conversar comigo por causa da curiosidade. Elas fazem perguntas, querem saber sobre o meu cabelo e a minha cultura. Eu acho que é algo bom, pois eles têm aprendido e assim conseguem dissolver os estereótipos”, explica.

Acostumado a falar sobre si, Stephen conta que já passou por situações constrangedoras e que nem sempre a curiosidade é positiva. “Há pessoas que passam dos limites e invadem a sua privacidade, tentam tocar em você sem pedir. A conversar com um amigo negro, descobri que temos uma experiência parecida, a de ir num balneário público e ter um desconhecido a tentar ‘espiar’. Isso é desrespeitoso, além dos limites”, critica.

Apesar dos inconvenientes, o afro-americano conta que a experiência no Japão tem sido positiva. “Aqui eu não preciso me preocupar com a violência policial, mas nos Estados Unidos há mais suporte, amigos afro-americanos, a comunidade, a família. Se eu pegar o carro à noite nos Estados Unidos e sair de casa, posso chamar atenção de um policial. Aqui não me preocupo com isso, eu sinto-me mais seguro”.

Sistema japonês

O nigeriano Samuel Lawrance, que está há mais de 15 anos no Japão e se aprofundou na sociedade e no sistema do país, acredita que há um racismo “passivo-agressivo” na sociedade japonesa, por ser algo que ocorre muitas vezes de maneira discreta.

“Eu trabalhei numa empresa japonesa há alguns anos e passei por uma situação bastante desconfortável, de ver alguém bem menos capacitado e experiente do que eu a tornar-se o meu chefe simplesmente por ser japonês. A sensação é de que não importa o quão bom eu seja no que eu faço, não posso crescer por ser estrangeiro ou por ser negro”, desabafa.

Samuel trabalha actualmente para uma empresa estrangeira, que implementa tecnologia de inteligência artificial em campos de golfe e tênis. Depois de passar pelo sistema educacional do Japão e de se encaixar na sociedade como um trabalhador, o nigeriano acredita que tem a missão de ajudar a educar os japoneses com relação aos negros.

“Já ouvi todo o tipo de pergunta, até se tem ar-condicionado na Nigéria. Eu poderia ficar nervoso, mas acredito que a minha missão é educar e apresentar informações correctas para qualquer um que esteja a me perguntar. Quero que os japoneses saibam como é o meu país e a minha cultura.”

Depois de passar metade da vida no Japão, o nigeriano acredita que se adaptou por ter entrado no sistema e seguido uma carreira, mas nem por isso pensa em ficar para sempre no país.

“A diferença entre mim e um trabalhador japonês é que ele tem um passaporte japonês e obviamente não se parece como eu, apenas isso. Eu estou aqui porque os meus serviços estão a ser precisados. Quando não forem mais, acredito que vou embora”, concluiu.

Fonte: BBC Brasil

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